“A verdade se corrompe tanto
com a mentira como com o silêncio.” (Cícero)
A corrupção mais gritante na sociedade atual, como já visto em textos da
internet (segue abaixo lista de alguns deles), é a corrupção silenciosa. Aquela
que não faz ruído, que não é difundida, que não aparece e que muitas vezes nem
é percebida.
Caráter e Corrupção! (10/09/2012);
PRECISA-SE
DE MATÉRIA PRIMA PARA CONSTRUIR UM PAÍS (14/11/2005);
Jorge Arbache, em recente artigo (19/11/2013) no Valor Econômico (abaixo reproduzido), também
discorre sobre essa corrupção e apresenta uma possibilidade de esperança, por
meio de sugestões que podem, se conjuntamente aplicadas, combater essa
corrupção silenciosa, partindo de uma premissa que ele cita sem especificar: a
organização da sociedade civil para monitoramento dos serviços prestados pelo
estado.
Leia também sobre
essa premissa:
Jorge Arbache *
Valor Econômico
Qual é a relação entre aumento da incidência de infecções tratáveis,
abandono da escola pelas crianças, baixa produtividade e corrupção? Em
princípio, nenhuma. Isto porque a corrupção, como a conhecemos popularmente, é
identificada como desvios de conduta envolvendo políticos ou servidores
públicos e quantias vultosas em troca de favorecimento de interesses de
terceiros. Não por acaso, os debates públicos e as políticas anticorrupção têm
sido talhadas para dar conta desse tipo de prática.
Mas, por reconhecerem a influência da
corrupção na disponibilidade de recursos destinados à prestação de serviços
públicos, estudos recentes passaram a dedicar maior atenção à detecção de
práticas corruptas nas linhas de frente da prestação daqueles serviços.
Amparados por uma nova geração de pesquisas de campo sobre qualidade da
prestação de serviços públicos, os estudos acabaram por identificar relações
ainda mais complexas. Emergiram evidências de vários tipos de práticas que nem
sempre envolvem trocas de dinheiro, mas que, ainda assim, podem ser
consideradas desvios de conduta. Dentre elas, incluem-se desvios observáveis,
como o absenteísmo, e desvios difíceis de observar, como falta de
comprometimento com o trabalho, omissão e uso de informações privilegiadas ou
de influência do cargo para burlar ou influenciar regras e procedimentos em
benefício pessoal.
Esses desvios de comportamento dão
lugar a uma discussão mais abrangente sobre corrupção. A “corrupção
silenciosa”, que consiste em desvios da conduta esperada, não envolve trocas
monetárias e geralmente é pouco notada, mas pode ter efeitos deletérios
significativos para indivíduos, famílias e até para toda uma nação. A forma
convencional ou “ruidosa” de corrupção seria apenas a “ponta do iceberg”,
enquanto a corrupção silenciosa situa-se abaixo da superfície e trata de
questões complementares às formas mais visíveis de corrupção. Afinal, como
classificar evidências de que um elevadíssimo percentual de professores primários
de países da África não comparece à escola, ou, se comparece, não está em sala
de aula nos horários designados? O desvio do comportamento esperado dos
prestadores de serviços amplia, justificadamente, a noção de corrupção.
Mais gastos do governo não incorrem
necessariamente na melhoria dos serviços públicos
A analogia do iceberg é útil para
trazer à tona outras características da corrupção silenciosa. Primeiro, diferente
da corrupção convencional, a silenciosa afeta direta e potencialmente muitas
pessoas por meio, por exemplo, das interações entre provedores de saúde e
pacientes; professores e alunos; policiais e suspeitos; fiscais de obras e
construtoras; e fiscais de vigilância sanitária e restaurantes. Segundo, a
corrupção silenciosa fomenta a noção de que práticas condenáveis dos
prestadores de serviços são algo inevitável, alimentando desconfiança
generalizada em relação às instituições públicas. Terceiro, a corrupção
silenciosa afeta particularmente os grupos vulneráveis, como pobres, crianças,
idosos e deficientes físicos, que são mais dependentes dos serviços públicos.
Quarto, a corrupção silenciosa tem, muitas vezes, profundas consequências de
longo prazo em nível individual e coletivo. E quinto, a corrupção silenciosa é
um fenômeno universal, embora seja mais proeminente em países em
desenvolvimento.
A noção de corrupção silenciosa ajuda
a explicar porque mais gastos do governo não incorrem necessariamente na
melhoria dos serviços públicos e destaca questões fundamentais para o desenho
de estratégias e políticas públicas focadas em resultados. Evidências empíricas
mostram que absenteísmo, descaso ou mesmo pouco empenho no cumprimento de
tarefas e procedimentos básicos por parte de agentes públicos podem ter efeitos
permanentes, por exemplo, nas competências cognitivas de crianças, aumento da
transmissão vertical do vírus da HIV, elevação da incidência de óbitos por
malária, perda de interesse e abandono da escola pelas crianças ou desinteresse
pela abertura de empresas e realização de investimentos produtivos.
A boa notícia é que a corrupção
silenciosa pode ser enfrentada. O aumento da disseminação de informações sobre
orçamentos, projetos, indicadores de resultado e monitoramento pela sociedade civil pode melhorar a qualidade dos
serviços públicos, reduzir desperdícios, absenteísmo e vazamento de recursos.
Evidências de vários países mostram ser possível melhorar a prestação de
serviços quando cresce a determinação do governo em lidar com a corrupção
silenciosa.
Embora não exista uma “receita
universal” a se recomendar, lideranças comprometidas com o combate à corrupção,
aperfeiçoamento das instituições anticorrupção, aumento da transparência e da “accountability”, formação de recursos
humanos qualificados em governança pública, fortalecimento do “enforcement” e dos controles
administrativos e descentralização governamental parecem ser requisitos
necessários, embora nem sempre suficientes. A implementação exitosa de reformas
anticorrupção também requer que as preferências e os interesses dos envolvidos
se alinhem com os objetivos da reforma, o que implica, muitas vezes, a melhoria
das condições de trabalho dos agentes públicos.
Embora o combate à corrupção ruidosa
seja crítico, o enfrentamento à corrupção silenciosa é crucial para a promoção
do crescimento sustentado, redução da pobreza e aumento da produtividade.
Jorge Arbache foi diretor e autor principal do
relatório “Silent and lethal: How quiet corruption undermines Africa’s
development”, Africa Development Indicators 2010, Washington, DC: World Bank. É professor de economia da UnB
e assessor econômico da presidência do BNDES. Email: jarbache@gmail.com.
© 2000 – 2013. Todos os direitos
reservados ao Valor Econômico S.A. Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou
transmitido por broadcast
sem autorização do Valor Econômico.
____________________________________________________________
Leia
também:
Combate à Corrupção:
Solidariedade:
Controle Social da política e dos gastos públicos:
Conscientização Política: