segunda-feira, 22 de abril de 2013

Imagens em cacos

Marina Silva *
                                                           
Fonte: Folha de S.Paulo, visitado em 20/04/2013. Endereço:

Cômicas e tristes são as cenas na internet que pude ver ao vivo da reação dos deputados à "invasão indígena" no plenário da Câmara. Às vésperas do Dia do Índio, eles protestavam contra o projeto que põe a demarcação de suas terras sob controle do Congresso. Um direito ancestral vira objeto de negociação política. Na correria, alguns parlamentares tinham mais medo de suas consciências que dos manifestantes "armados" com penas e maracás.
Havia ali uma palavra antiga, calada por séculos de violência, tentando novamente fazer-se ouvir. Reconheço essa palavra desde a infância na Amazônia, de onde vim. E fiquei ao lado dos poucos deputados dispostos a ouvi-la no lugar onde a voz do povo deve ser sempre respeitada.
Ali estávamos defendendo o direito de dizer uma palavra nova no espaço da política, no debate das ideias, dos rumos do Brasil e da civilização. Essa nova palavra, que vem de tribos antigas e jovens, nas florestas e nas cidades, também está sendo abafada e impedida. No sistema político dominante e dominado, só se permitem palavras de conformismo e assentimento.
Alguns dos partidos que outrora elevaram suas vozes pela democracia, agora a controlam e silenciam. Os que detêm volumosos e nem sempre lícitos recursos do financiamento privado recusam-se a democratizar o acesso ao financiamento público. Os que têm largo tempo para dizer o que já é conhecido negam o acesso à mídia aos que querem anunciar o devir. Os avaros donos da hora regateiam segundos.
Qual o motivo dessa regressão? Repetem-se o ocultamento e a transferência, como diante dos índios. Muitos políticos têm medo de sua própria origem. O pragmatismo estagnado teme o sonho renovador.
Para controlar, alega-se que novos partidos podem ser siglas de aluguel e vender seu tempo de propaganda. A pergunta é inevitável: quem aluga siglas e quem compra o tempo? A reforma política, que deveria ser um aperfeiçoamento da democracia, reduz-se a uma reserva de mercado: restringe a oferta dos possíveis vendedores sem tocar no poder de demanda dos compradores.
As novas palavras não estão à venda, elas brotam de uma vontade profunda e legítima. Na raiz da crise de nossa civilização está uma dificuldade de ouvir a voz da natureza. Os desafios que enfrentamos só podem ser superados por uma democracia plena.
Os colonizadores usaram espelhos para atrair os índios e vencer sua resistência. Recebamos os fragmentos que eles agora devolvem. Muitos deputados não se enxergaram nos cacos. Talvez no Senado, onde a experiência proporciona mais consciência da autoimagem, os defensores da democracia possam refletir o zelo que por ela tiveram um dia. 


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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Redução da maioridade penal (2)

Redução da maioridade penal (2)
                                                           
Uma coisa não é justa por direito de ser lei. Deve ser lei porque é justa.
A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos.”



Desde a época do império existe a discussão sobre qual critério usar para estabelecer a imputabilidade penal (capacidade de responder por crimes cometidos), com franca percepção (mundo a fora) de que o critério mais justo é o que considera a idade em conjunto com a capacidade de discernimento do agente sobre o certo e o errado (psico-biológico ou misto).
Antigamente (até a década de 60 ou 70) poder-se-ia considerar crianças, ou seja, pessoas em desenvolvimento, ainda SEM conhecimento sobre certo e errado, jovens de até cerca de 14 ou 15 anos (ainda assim forçando um pouco a barra).
Hoje em dia, contudo, dada a grande difusão e acesso à informação, seja pela televisão, seja pela internet, seja pelos chamados Smartphones, não é de se acreditar que qualquer pessoa com mais de 12 anos, independente de classe social e de maturidade emocional possa alegar desconhecer os limites do certo e do errado (condição para imputabilidade penal).


Hoje, os jovens de 14, 16 anos, quando envolvidos na criminalidade, tem alto potencial ofensivo (seja pela crueldade; seja pela certeza da impunidade - alimentada pelo conhecimento do ECA; seja pelo tamanho e força física -  infinitamente superior aos de 40/50 anos atrás, seja pelo acesso a armas de toda sorte) e não podem ser considerados sequer fisicamente (biologicamente) como meras crianças ou adolescentes (como antes).
A diferenciação criada pelo ECA quanto à punição, que garante a eles ficha ABSOLUTAMENTE limpa (não importando a crueldade, a quantidade ou a "hediondoneidade" dos crimes cometidos), inclusive com franca liberdade (no máximo 3 anos de internação sócio-educativa) tão logo completem 18 anos, os torna monstros, não humanos!
A idade não pode continuar a ser considerada isoladamente (sistema biológico), como se faz hoje no Brasil, até porque nem o desenvolvimento biológico nem o psicológico no séc. XXI são os mesmos daqueles do séc. XVII a XIX. Ela precisa ser condicionada à capacidade de discernimento do agente (critério psicológico), com a avaliação caso a caso quando do cometimento de crimes (principalmente os mais hediondos).
Tratar da mesma forma todos os “menores infratores” por uma análise meramente classificativa (considerando apenas a idade) sem considerar a análise quantitativa (quantidade de crimes cometidos) ou principalmente a qualitativa (a capacidade de discernimento de cada um) é uma falácia tão grande quanto tratar todos os criminosos que tenham cometido um homicídio, por exemplo, da mesma forma, sem considerar qualitativamente seu crime (motivação, atenuantes, agravantes), o que há muito não se faz no direito.
Equivale a dizer que o que matou em um acidente de trânsito (habilitado, sem beber nem infringir regras de trânsito), é igual ao que matou após estuprar, torturar e usar requintes de crueldade e, sobretudo, aplicar a eles a mesma pena.

A falácia reside na máscara política por trás da existência e criação do ECA: “Temos o código de tratamento da delinquência da infância e juventude mais avançado do mundo". Tal máscara oculta o raciocínio crítico que deveria nortear um constante aprimoramento do referido código.
O ECA, que inicialmente tinha a função de proteger nossa infância e juventude, criou uma disfunção que seus defensores se negam (por acuidade visual seletiva) a enxergar: o que parece proteger os jovens da sociedade acaba por desproteger a sociedade dos jovens. Tal disfunção chega ao ponto de desproteger os próprios jovens que se acreditava proteger!
E essa desproteção reside no fato de tratar os "jovens" como seres incapazes de discernimento, já que considera a idade como único fator digno de ser considerado para a penalização criminal. Eles tanto podem discernir como se aproveitam da incapacidade (mais política que real) da sociedade de reformular os pontos da Lei, criada para proteger alguns, mas que terminou por desproteger a TODOS, inclusive os próprios alguns que ela deveria proteger.



Em qualquer processo de doença há unanimidade quanto a necessidade de se combater a causa da doença tanto quanto seus efeitos. O combate ao efeito, em geral mais imediato, tem o objetivo de diminuir o desconforto de forma a permitir o combate à causa, em geral com procedimentos de efeito mais lento e demorado.
A violência juvenil é uma doença social, cuja causa é, de fato, a falta de estrutura familiar, de educação, de oportunidades, de perspectivas, e cujo efeito é a proliferação crescente de crimes cada vez mais hediondos contra pais, mães, índios, dentistas, estudantes, mulheres ou crianças, fomentados pela inimputabilidade de uma lei que por falácia política não se aprimora (o ECA).
Seria inocência ou ardil defender como panaceia de solução para a violência infanto-juvenil o combate somente a um ou a outro (causa ou efeito). É preciso combater os dois, urgentemente. Mas é grande irresponsabilidade deixar de combater o efeito sob o argumento de que só se pode fazê-lo quando houver o combate à causa.
Mas há luz no fim do túnel.
E essa luz começa com duas ações urgentes e complementares:
1)    Mudar o sistema de imputabilidade penal para considerar idade e capacidade de discernimento; reduzir a maioridade penal por escolha em plebiscito popular: 12, 14, 16 ou 18 anos; adequar o sistema prisional para evitar que o atual sistema continue sendo uma fábrica de delinquência ao invés de uma escola de ressocialização; criar hospitais de custódia para os casos de psicopatia. Estas ações combatem o efeito: violência dos menores contra a sociedade por certeza da impunidade gerada pelo ECA.
2)    Estabelecer um projeto de Educação Integral, aumentando o percentual do PIB para à educação (15 a 20%). Esta ação combate a causa: violência dos menores contra a sociedade por faltar educação e oportunidades e sobrar tempo ocioso.
Só um projeto de Educação Integral (e não só de tempo integral, apesar de esse ser o primeiro passo) é capaz de mudar o BRASIL e colocá-lo na posição de país DESENVOLVIDO.
Mesmo assim, não se pode ignorar que a sociopatia (assim como a psicopatia) é um mal que afeta e assola as sociedades, independentemente do projeto de educação que possa ou não existir.
Achar que, por termos (quando tivermos - e um dia teremos!) um projeto de educação excelente, os menores infratores (muitos sociopatas como o conhecido pela alcunha de CHAMPINHA, do qual o leitor deve se lembrar) deixarão de ser infratores é simplismo (simplificação forçada da complexidade da realidade) que desconsidera aspectos importantes da psique humana (por mais que seja feito de boa fé).
A EDUCAÇÃO combate as mazelas que são consequências da falta de oportunidades (culturais, educacionais, de formação), e mesmo assim, nem todas elas, mas não consegue combater as mazelas que são consequências da falta de saúde mental ou de caráter (fisiológicas ou psicológicas). Estas precisam ser combatidas de outra forma.
A redução da maioridade penal, ou melhor, a mudança do Sistema de Avaliação da Responsabilidade Penal para o sistema BIO-PSICOLÓGICO só tem a contribuir para a diminuição da violência praticada por certeza da impunidade, presente nos "MENORES" sociopatas e psicopatas da sociedade. E estes assim o são independente da educação que tiveram (ou não tiveram).

Mais sobre o assunto: 

1)    Proposta de redução; 
2)    Constitucionalidade da redução; 
3)    Perguntas e respostas;  
4)    Maioridade penal - os efeitos da redução; 
5)    Maioridade penal – ponto de vista psiquiátrico; 
[KAUFMAN, Arthur. Maioridade Penal. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 31, n. 2, 2004. Disponível em: www.scielo.br. Acesso em: 23 de julho de 2011].



 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Reforma Política por iniciativa popular - I

                                                           
“A política tem sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano.” (Voltaire)

Mas se por um lado o espírito humano tem em si a perversidade, por outro possui também a benevolência, a indulgência e a inteligência que a ela se contrapõe e se bem cultivadas, fomentadas e aplicadas bem fácil a podem domar ou sobrepujar.


No que diz respeito à tão desejada, por necessária, Reforma Política (ou reforma do Sistema Político, dada a sua desejável abrangência estrutural) podemos classificá-la em pelo menos 3 tipos: a reforma possível, a reforma necessária e a reforma ideal.

A reforma possível (que mais tem parecido impossível) é a que vem se arrastando em “lombo de mula empacada”, tentada por iniciativa do próprio parlamento e sujeita a todos os óbices e dificuldades do processo legislativo ordinário e dos embates entre os parlamentares ordinários, que superam à larga os raros extraordinários.

A reforma necessária é aquela que garantiria atender minimamente a necessidade urgente da sociedade de ser de fato e verdadeiramente representada pelos políticos que ela elege, com transparência, integridade e compromisso.

A reforma ideal é aquela que, por utopia, eliminaria de uma vez a possibilidade de falta de integridade dos políticos e de corrupção (inclusive a das prioridades, como ocorre ao construir um estádio fadado à ociosidade no lugar de escolas ou hospitais fadados à utilidade).

O Deputado José Antônio Reguffe (PDT-DF), um dos poucos que não fazem ordinariamente uma política ordinária, defende: “A reforma política deve ter como objetivo aproximar eleitores e eleitos”.

Mas se por um lado a reforma política precisa, como um de seus objetivos fundamentais, aproximar os representantes dos representados, por outro lado é impossível acreditar que os representantes (políticos), por iniciativa própria, irão realizar a reforma necessária que mais aproveitará aos representados (eleitores) do que a eles próprios.

Esforçam-se eles (os políticos da velha e ordinária política), descartando a reforma ideal (por utópica), para realizar uma reforma paliativa (travestida em possível, mas nunca alcançada devido a interesses próprios quanto escusos). Reforma essa que, se em alguma medida possa aproveitar aos representados, em medida dez vezes maior aproveitará a eles próprios, os representantes (políticos por profissão que há muito venderam a vocação).

Mas a sociedade civil, sabendo que não pode contar com a classe política, por corrompida, já se organiza paralelamente ao congresso para fazer, por iniciativa popular, uma proposta de reforma política mais abrangente, apresentando e representando os anseios da sociedade onde eles não forem atendidos pelos que deveriam representá-la (o Congresso Nacional).


 

 
 

Exemplo dessa organização da sociedade civil é o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), que é uma entidade civil organizada composta por mais de 50 outras entidades organizadas da sociedade (OAB, CNBB, Abracci, Cáritas, IFC, Amarribo, CUT, Unacon, Sindlegis, Fisenge entre outras) que, identificando a necessidade de combater a corrupção eleitoral, já conseguiu transformar em lei dois projetos de iniciativa popular, sendo uma delas a lei Lei Nº 9840/1999 (Lei da compra de votos) e a outra a Lei Nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).

Não obstante a enorme importância da referida lei para o aprimoramento do nosso processo eleitoral, percebeu-se que a mesma gravita o espaço do combate aos efeitos da corrupção e não às suas causas.
Com base nessa percepção, na crença de que a causa fundamental da corrupção eleitoral está no atual sistema que permite o financiamento privado de campanha (que permite  ao poder econômico influenciar o processo político), e na urgência de firmar posição quanto às necessidades da sociedade devido ao fato de estarmos às vésperas de uma possível votação de proposta de reforma política, “discutida há mais de 15 anos e travada por interesses diversos”, o MCCE capitaneou a elaboração do Manifesto Eleições Limpas: Contra o Financiamento Privado e em Defesa do Financiamento Democrático de Campanha, que será divulgado em ato público de mesmo nome em Brasília no dia 08/04/2013.


 
 
Somente a partir da iniciativa popular poderemos conseguir algo próximo (quiçá além) de uma reforma necessária, porque, caso não haja nenhuma iniciativa da sociedade, não teremos sequer uma reforma política possível (talvez menos até que uma paliativa).

Não é sensato esperar que o Rei, por iniciativa própria em ato de benevolência (ou de loucura), decrete a redução dos seus próprios poderes enquanto monarca, assim como não é sensato sequer imaginar que os "velhos" políticos venham a fazer, de per si, uma reforma política que possa favorecer os interesses e necessidades coletivos em detrimento dos seus interesses e necessidades individuais.