Marina
Silva *
Fonte: Folha de S.Paulo, visitado em 20/04/2013. Endereço:
Cômicas e tristes são as cenas na internet que pude ver ao vivo
da reação dos deputados à "invasão indígena" no plenário da Câmara.
Às vésperas do Dia do Índio, eles protestavam contra o projeto que põe a
demarcação de suas terras sob controle do Congresso. Um direito ancestral vira
objeto de negociação política. Na correria, alguns parlamentares tinham mais
medo de suas consciências que dos manifestantes "armados" com penas e
maracás.
Havia ali uma palavra antiga, calada por séculos de violência,
tentando novamente fazer-se ouvir. Reconheço essa palavra desde a infância na
Amazônia, de onde vim. E fiquei ao lado dos poucos deputados dispostos a
ouvi-la no lugar onde a voz do povo deve ser sempre respeitada.
Ali estávamos defendendo o direito de dizer uma palavra nova no
espaço da política, no debate das ideias, dos rumos do Brasil e da civilização.
Essa nova palavra, que vem de tribos antigas e jovens, nas florestas e nas
cidades, também está sendo abafada e impedida. No sistema político dominante e
dominado, só se permitem palavras de conformismo e assentimento.
Alguns dos partidos que outrora elevaram suas vozes pela
democracia, agora a controlam e silenciam. Os que detêm volumosos e nem sempre
lícitos recursos do financiamento privado recusam-se a democratizar o acesso ao
financiamento público. Os que têm largo tempo para dizer o que já é conhecido
negam o acesso à mídia aos que querem anunciar o devir. Os avaros donos da hora
regateiam segundos.
Qual o motivo dessa regressão? Repetem-se o ocultamento e a
transferência, como diante dos índios. Muitos políticos têm medo de sua própria
origem. O pragmatismo estagnado teme o sonho renovador.
Para controlar, alega-se que novos partidos podem ser siglas de
aluguel e vender seu tempo de propaganda. A pergunta é inevitável: quem aluga
siglas e quem compra o tempo? A reforma política, que deveria ser um
aperfeiçoamento da democracia, reduz-se a uma reserva de mercado: restringe a
oferta dos possíveis vendedores sem tocar no poder de demanda dos compradores.
As novas palavras não estão à venda, elas brotam de uma vontade
profunda e legítima. Na raiz da crise de nossa civilização está uma dificuldade
de ouvir a voz da natureza. Os desafios que enfrentamos só podem ser superados
por uma democracia plena.
Os colonizadores
usaram espelhos para atrair os índios e vencer sua resistência. Recebamos os
fragmentos que eles agora devolvem. Muitos deputados não se enxergaram nos
cacos. Talvez no Senado, onde a experiência proporciona mais consciência da
autoimagem, os defensores da democracia possam refletir o zelo que por ela
tiveram um dia.
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